Bravos rapazes!
(texto publicado na revista Tranquilidade em 2009)
Apesar dos riscos que sabiam que iriam correr
num país que já vivia uma aparente instabilidade, viajaram para Kinshasa,
capital da República Democrática do Congo, em Junho de 2006, com o sentimento
de que contribuiriam no processo democrático de um país que partilha com Angola
uma longa fronteira comum.
Entre Junho de 2006 e Fevereiro de 2007, o grupo era
composto por 13 agentes da Polícia angolana que, na sequência de um convite
feito a Angola pela União Europeia (UE), fizeram parte de uma missão policial
desta organização europeia que tinha, entre outros objectivos, a tarefa de
fiscalizar os actos da Polícia congolesa por altura das eleições presidenciais.
Para que houvesse eleições teria de existir uma polícia
apartidária", conta-nos Manuel Edmundo
da Costa Feio, na altura o chefe-adjunto do grupo de polícias angolanos
que viajaram naquele ano para a República Democrática do Congo.
E a situação do Congo era volátil, já que existia, na
altura, um grupo rebelde de milícias, liderado por Jean-Pierre Bemba, um homem
que chegou à vice-presidência da República Democrática do Congo e hoje com um processo no Tribunal Penal
Internacional por crimes de guerra.
Quando a República Democrática do Congo estava às portas
para a realização das eleições presidenciais, uma Unidade de Polícia Integrada,
conhecida pela sigla UPI, foi criada com a integração de elementos vindos do
grupo rebelde e das forças governamentais.
Formada e financiada pela União Europeia, a UPI foi a
responsável pela segurança das instituições e personalidades políticas no
período de transição.
E o trabalho dos
polícias angolanos, que não foi nada fácil, foi de colaborar na coordenação dos
meios da Polícia de Ordem Pública, servindo como intermediários entre as
Unidades Anti-Motim da Polícia Nacional Congolesa e a Força Militar Europeia
(EUFOR), para além de terem feito o enquadramento no terreno da Unidade de
Polícia Integrada (UPI).
Manuel Edmundo da Costa Feio, na conversa que manteve com
a revista Tranquilidade, em Kinshasa, em Julho deste ano (2009), exteriorizou o
seu pensamento quanto ao facto de não ter havido publicitação, nos órgãos de
informação nacionais, da presença de polícias angolanos numa missão
internacional que levaria a normalidade democrática a um país vizinho de
Angola.
"Esta iniciativa da revista Tranquilidade é louvável
porque os feitos da Polícia devem ser divulgados", defendeu Manuel Edmundo
da Costa Feio, acrescentando que "a União Europeia reconheceu o nosso
empenho, o que é um orgulho para o nosso país".
Manuel Edmundo da Costa Feio, fixando o olhar para o
rosto do autor desta linhas, recuou no tempo para ir buscar um episódio que vem
sempre à sua memória: "Chegámos a correr vários riscos, durante a missão
EUPOL-Kinshasa, e riscos até de morte".
Ele e mais alguns colegas, com quem partilhava um
apartamento, que fica na movimentada Avenida "Bulevar du 30 Juin", no
regresso à casa, depois de mais um dia de trabalho, ficaram, em Agosto de 2006,
encurralados num fogo cruzado entre as tropas do líder rebelde Jean Pierre
Bemba e as tropas governamentais.
"Tivemos sorte, porque
conseguimos sair daquela situação e voltar para a unidade", sublinhou
Edmundo Feio, um intendente que, em Angola, é o responsável pelo Departamento
Central da Direcção Provincial da Polícia Económica.
"Foi uma experiência a todos os títulos
inesquecível", afirmou o intendente Edmundo Feio, que disse ainda ter o
episódio acontecido logo no dia em que começaram as escaramuças, ocorridas
depois da realização das eleições, mas antes do anúncio dos resultados eleitorais
definitivos que deram vitória a Joseph Kabila.
Nem por isso este episódio diminuiu o moral e a força
anímica deste arrojado oficial da Polícia Nacional e dos seus colegas. Tanto é
assim que voltou, em Janeiro de 2009, para a República Democrática do Congo
para mais uma missão da União Europeia, desta vez para a reforma da Polícia
Nacional Congolesa (PNC), no quadro de um novo convite feito por esta
organização comunitária do velho continente ao Comando-Geral da Polícia
Nacional.
Dos treze elementos da Polícia Nacional que fizeram parte
da EUPOL-Kinshasa, apenas três foram reconduzidos para a actual missão, desta
vez denominada EUPOL-RDCONGO.
Para além de Manuel Edmundo da Costa Feio, estão, nesta
nova missão, desde Janeiro de 2009, o intendente João Domingos Matoso e os inspectores-chefes Alfredo Joaquim
Armando e Miguel Bunga. Este último, que não fez parte da primeira missão, se
encontrava em Angola de férias quando a equipa de reportagem da revista
Tranquilidade esteve em Kinshasa.
Para além de ser o chefe do
grupo de angolanos nesta nova missão, Edmundo da Costa Feio exerce a função de
conselheiro da Polícia congolesa para a Planificação e Estudos.
Membro da Polícia angolana desde
seis de Maio de 1986, Edmundo da Costa Feio diz, de corpo e alma, que guardará,
como recordação, nessa sua passagem pelo Congo, o facto de ter convivido com
indivíduos de várias nacionalidades.
"É uma experiência ímpar estar à mesma mesa a
conversar com indivíduos doutras nacionalidades. Cada um fala do seu país, para
além da troca de experiência de trabalho".
Em conversa com colegas de outros países, segundo Edmundo
Feio, a Polícia angolana é bastante elogiada. "Recebemos vários elogios.
Por exemplo, de que somos uma Polícia organizada e disciplinada", disse,
para acrescentar que "eles admiram-se muito como o nosso atavio e com a
nossa farda".
"Alguns pensaram que não sairiam
vivos
da República Democrática do Congo"
O intendente João Domingos
Matoso é daqueles homens que conseguem gerir o medo como se esse sentimento não
fizesse parte do dicionário. À semelhança do que aconteceu a Edmundo Feio, João
Domingos Matoso também viveu um episódio de cortar a respiração quando
participou na primeira missão da União Europeia, que era a sua segunda a nível
internacional. A primeira foi para a São Tomé e Príncipe, no quadro da formação
da Polícia de Intervenção Rápida daquele país.
Quando passava na companhia de
colegas por uma área, o seu sexto sentido funcionou, tendo solicitado ao
motorista da viatura para que saísse dali porque a área não inspirava
segurança.
"Mal saímos, começamos a
ouvir tiros atrás de nós", resultante de um forte tiroteio que opunha os
rebeldes às forças governamentais. "Em função do clima de insegurança
vivido no Congo, depois das eleições, alguns de nós pensaram que não
regressariam vivos a Angola", disse o intendente Matoso, afecto à Unidade
Anti-terrorismo, da Polícia de Intervenção Rápida.
Formador por excelência, João
Domingos Matoso participa directamente, em Kinshasa, tal como os outros dois
policias angolanos, nas acções de formação da Polícia de Busca e Intervenção,
enquanto o chefe Edmundo da Costa Feio exerce o papel de consultor, trabalhando
em Kivu, uma região que ainda vive momentos de instabilidade militar.
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