sexta-feira, 20 de maio de 2016

BRAVOS RAPAZES!




Bravos rapazes!

(texto publicado na revista Tranquilidade em 2009)

            Apesar dos riscos que sabiam que iriam correr num país que já vivia uma aparente instabilidade, viajaram para Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, em Junho de 2006, com o sentimento de que contribuiriam no processo democrático de um país que partilha com Angola uma longa fronteira comum.
            Entre Junho de 2006 e Fevereiro de 2007, o grupo era composto por 13 agentes da Polícia angolana que, na sequência de um convite feito a Angola pela União Europeia (UE), fizeram parte de uma missão policial desta organização europeia que tinha, entre outros objectivos, a tarefa de fiscalizar os actos da Polícia congolesa por altura das eleições presidenciais.
            Para que houvesse eleições teria de existir uma polícia apartidária", conta-nos Manuel Edmundo  da Costa Feio, na altura o chefe-adjunto do grupo de polícias angolanos que viajaram naquele ano para a República Democrática do Congo.
            E a situação do Congo era volátil, já que existia, na altura, um grupo rebelde de milícias, liderado por Jean-Pierre Bemba, um homem que chegou à vice-presidência da República Democrática do  Congo e hoje com um processo no Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra.
            Quando a República Democrática do Congo estava às portas para a realização das eleições presidenciais, uma Unidade de Polícia Integrada, conhecida pela sigla UPI, foi criada com a integração de elementos vindos do grupo rebelde e das forças governamentais.
            Formada e financiada pela União Europeia, a UPI foi a responsável pela segurança das instituições e personalidades políticas no período de transição.
             E o trabalho dos polícias angolanos, que não foi nada fácil, foi de colaborar na coordenação dos meios da Polícia de Ordem Pública, servindo como intermediários entre as Unidades Anti-Motim da Polícia Nacional Congolesa e a Força Militar Europeia (EUFOR), para além de terem feito o enquadramento no terreno da Unidade de Polícia Integrada (UPI).
            Manuel Edmundo da Costa Feio, na conversa que manteve com a revista Tranquilidade, em Kinshasa, em Julho deste ano (2009), exteriorizou o seu pensamento quanto ao facto de não ter havido publicitação, nos órgãos de informação nacionais, da presença de polícias angolanos numa missão internacional que levaria a normalidade democrática a um país vizinho de Angola.
            "Esta iniciativa da revista Tranquilidade é louvável porque os feitos da Polícia devem ser divulgados", defendeu Manuel Edmundo da Costa Feio, acrescentando que "a União Europeia reconheceu o nosso empenho, o que é um orgulho para o nosso país".
            Manuel Edmundo da Costa Feio, fixando o olhar para o rosto do autor desta linhas, recuou no tempo para ir buscar um episódio que vem sempre à sua memória: "Chegámos a correr vários riscos, durante a missão EUPOL-Kinshasa, e riscos até de morte".
            Ele e mais alguns colegas, com quem partilhava um apartamento, que fica na movimentada Avenida "Bulevar du 30 Juin", no regresso à casa, depois de mais um dia de trabalho, ficaram, em Agosto de 2006, encurralados num fogo cruzado entre as tropas do líder rebelde Jean Pierre Bemba e as tropas governamentais.
"Tivemos sorte, porque conseguimos sair daquela situação e voltar para a unidade", sublinhou Edmundo Feio, um intendente que, em Angola, é o responsável pelo Departamento Central da Direcção Provincial da Polícia Económica.                                
            "Foi uma experiência a todos os títulos inesquecível", afirmou o intendente Edmundo Feio, que disse ainda ter o episódio acontecido logo no dia em que começaram as escaramuças, ocorridas depois da realização das eleições, mas antes do anúncio dos resultados eleitorais definitivos que deram vitória a Joseph Kabila.
            Nem por isso este episódio diminuiu o moral e a força anímica deste arrojado oficial da Polícia Nacional e dos seus colegas. Tanto é assim que voltou, em Janeiro de 2009, para a República Democrática do Congo para mais uma missão da União Europeia, desta vez para a reforma da Polícia Nacional Congolesa (PNC), no quadro de um novo convite feito por esta organização comunitária do velho continente ao Comando-Geral da Polícia Nacional.
            Dos treze elementos da Polícia Nacional que fizeram parte da EUPOL-Kinshasa, apenas três foram reconduzidos para a actual missão, desta vez denominada EUPOL-RDCONGO.
            Para além de Manuel Edmundo da Costa Feio, estão, nesta nova missão, desde Janeiro de 2009, o intendente João Domingos Matoso  e os inspectores-chefes Alfredo Joaquim Armando e Miguel Bunga. Este último, que não fez parte da primeira missão, se encontrava em Angola de férias quando a equipa de reportagem da revista Tranquilidade esteve em Kinshasa.
Para além de ser o chefe do grupo de angolanos nesta nova missão, Edmundo da Costa Feio exerce a função de conselheiro da Polícia congolesa para a Planificação e Estudos.
Membro da Polícia angolana desde seis de Maio de 1986, Edmundo da Costa Feio diz, de corpo e alma, que guardará, como recordação, nessa sua passagem pelo Congo, o facto de ter convivido com indivíduos de várias nacionalidades.
            "É uma experiência ímpar estar à mesma mesa a conversar com indivíduos doutras nacionalidades. Cada um fala do seu país, para além da troca de experiência de trabalho".
            Em conversa com colegas de outros países, segundo Edmundo Feio, a Polícia angolana é bastante elogiada. "Recebemos vários elogios. Por exemplo, de que somos uma Polícia organizada e disciplinada", disse, para acrescentar que "eles admiram-se muito como o nosso atavio e com a nossa farda".

"Alguns pensaram que não sairiam vivos
   da República Democrática do Congo"

O intendente João Domingos Matoso é daqueles homens que conseguem gerir o medo como se esse sentimento não fizesse parte do dicionário. À semelhança do que aconteceu a Edmundo Feio, João Domingos Matoso também viveu um episódio de cortar a respiração quando participou na primeira missão da União Europeia, que era a sua segunda a nível internacional. A primeira foi para a São Tomé e Príncipe, no quadro da formação da Polícia de Intervenção Rápida daquele país.
Quando passava na companhia de colegas por uma área, o seu sexto sentido funcionou, tendo solicitado ao motorista da viatura para que saísse dali porque a área não inspirava segurança.
"Mal saímos, começamos a ouvir tiros atrás de nós", resultante de um forte tiroteio que opunha os rebeldes às forças governamentais. "Em função do clima de insegurança vivido no Congo, depois das eleições, alguns de nós pensaram que não regressariam vivos a Angola", disse o intendente Matoso, afecto à Unidade Anti-terrorismo, da Polícia de Intervenção Rápida.
Formador por excelência, João Domingos Matoso participa directamente, em Kinshasa, tal como os outros dois policias angolanos, nas acções de formação da Polícia de Busca e Intervenção, enquanto o chefe Edmundo da Costa Feio exerce o papel de consultor, trabalhando em Kivu, uma região que ainda vive momentos de instabilidade militar.      
   
         



     

         


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