ATÉ PELO SEU ANTIGO
CLUBE
Laika
morre abandonado
(texto publicado no dia 27 de Abril de
2002
no semanário "O Independente")
Ainda eu era um "canuco"
quando o via jogar no pelado do Kassequel do Buraco. Vindo da Calemba, onde
morava, a sua habitual presença atraia "multidões", que acorriam ao
campo para assistir à sua brilhante exibição. Desfilava classe, por onde quer
que passasse, o que o levou a entrar para o emblemático Petro Atlético de
Luanda. Tinha então 13 anos. Corria o ano de 1978. Lembro-me que, quando se
deslocasse ao Kassequel do Buraco, com o seu clube de bairro, alguns
adversários perguntavam-se: "Ele veio?" Se viesse, não jogavam.
Tinham medo das suas fintas. Era o seu forte, para além do grande poder de
velocidade, daí a razão do nome por que era chamado. Em 1984, uma lesão
obrigou-o a abandonar prematuramente o futebol, caindo em desgraça atrás de
desgraça, sem o apoio do seu clube do coração. Por ironia do destino, morreu
estatelado no chão, onde outrora foi o campo em que deu os primeiros toques de
bola. Estamos a falar de Laika que, maqueiro de profissão, no Hospital Américo
Boavida, veio a morrer subitamente no dia 15 deste mês quando regressava a
casa, depois de mais um dia de trabalho. De família carenciada, Laika, de nome
oficial Jerónimo António da Costa, só foi enterrado quatro dias depois, numa
sexta-feira, graças ao apoio de antigos colegas, entre os quais figuram
Makuéria, Porto, Pedro Ferro e Abel Campos e amigos do bairro. Do seu antigo
clube, nada se viu. Ainda em vida, Laika recorreu, vezes sem conta, a
dirigentes do Petro Atlético de Luanda, para que o empregassem na Sonangol, mas
as suas súplicas não foram suficientes para convencer tais responsáveis a
colocá-lo "pelo menos como maqueiro, na Clínica da Sonangol".
Segredou-me no dia que me contou a sua vida, agora aqui, no "O
Independente", esmiuçada em sua homenagem.
Nhuca Júnior
Entrou para o Petro de
Luanda em 1978 por intermédio de alguns amigos, entre os quais Pedro Ferro, que
o convenceram que teria um brilhante futuro como futebolista devido às suas
excelentes qualidades técnicas.
Aos 17 anos, integrou a
primeira selecção angolana de júnior que defrontou a sua similar dos Camarões.
Nesse escalão, Laika jogava a extremo-direito, mas em sénior foi adaptado, com
facilidade, a médio-ala.
Aos 19 anos, em 1984, o
destino foi cruel para Laika. Por altura da preparação para a Taça dos Clubes
Campeões, em que o seu clube, comandado pelo brasileiro António Clemente,
defrontaria o Negu Ranger da Nigéria, uma lesão afastou-o para sempre do mundo
do futebol.
“Depois dos treinos tive
dor de cabeça e, quando cheguei à casa, fiquei com o braço e o pé esquerdo
paralisados”, contou-me. No dia seguinte, deslocou-se ao Hospital Américo
Boavida, onde o médico que o atendeu garantiu que se tratava de “uma coisa
passageira”. O médico errou no prognóstico. O jogador ficou na cama,
paralisado, durante seis meses, não conseguindo sequer levantar-se. O clube foi
informado através de um tio, mas nenhum dirigente apareceu em sua casa para,
pelo menos, constatar “in loco” o estado de saúde de Laika, que, segundo ele,
recebeu apenas a visita dos colegas Nejó e Porto.
“Nem o prémio de campeão
recebi até hoje”, lamentou o jogador, que chegou a ser duas vezes campeão pelo
Petro Atlético de Luanda, nas edições do campeonato nacional de 1981/82 e
1983/84. Recorreu a tratamentos tradicionais e foi graças
a essa via que começou a ter pequenos sinais de recuperação.
Mas essa recuperação
apenas teve êxito em relação ao braço. O pé ficou definitivamente atrofiado.
Laika, que passou então a mancar, disse ter recebido promessas de vir a ser
tratado no exterior, promessas essas vindas da boca do engenheiro Mangueira,
que terá indigitado o já falecido Telmo Guerreiro para resolver toda a
tramitação burocrática que visasse a sua ida ao estrangeiro em tratamento
médico. Debalde!
“Em 1985, o professor
António Clemente voltou ao país e, quando quis saber do meu estado de saúde,
mandou-me chamar e pediu aos dirigentes do clube para que me tratassem, o mais
urgente possível, porque ainda tinha idade e a possibilidade de um dia voltar a
jogar”. “Tinha 19 anos”, disse com os olhos embargados. Não conseguiu conter as
lágrimas. Depois de uma pausa, a conversa prosseguiu com Laika a dizer que,
abandonado pelo Petro, o Ferroviário da Huíla, “mesmo lesionado, interessou-se
por mim”.
“Levou-me à Huíla, onde
fui assistido pelo médico deste clube e pelo Hospital Central”, acentuou o
jogador para depois explicar que o médico disse-lhe que o seu caso estava
ligado ao sistema nervoso central.
O Petro de Luanda, disse
Laika, apenas lhe deu a possibilidade de fazer massagens no ginásio do clube, o
que aconteceu apenas durante dois meses. Apesar da prematura carreira que teve,
Laika guardava boas recordações, uma das quais se refere ao jogo diante do 1º
de Agosto, no Estádio dos Coqueiros, à noite, onde fintou vários adversários,
incluindo o guarda-redes, o Ângelo, para marcar um belíssimo e memorável golo.
“Contra o Real Olimpik de
Bangui, jogo realizado na República Centro Africana, fiz um gesto com o dedo, a
defesa abriu e marquei o golo”, recorda Laika para de seguida dizer: “marquei
muitos golos – são incontáveis – e dei a marcar outros tantos”.
“Por exemplo, dei a marcar
muitos golos ao Jesus. Ele não pode desmentir”. Quando assistia a jogos de
futebol, Laika tinha sempre um sentimento de nostalgia. “Vejo coisas que
deveria fazer e até melhor”, dizia o jogador, que deixou órfãs duas meninas,
uma de 15 anos e outra de 14.
Desempregado, em 1996 é
admitido no Hospital Américo Boavida, onde, inicialmente a trabalhar como
porteiro, passou depois a desempenhar a tarefa de maqueiro do Banco de Urgência
daquela unidade hospitalar pública.
O emprego consegui-o
graças aos colegas Tony Cerezo e Nejó. Antes de embarcar para aquele hospital,
chegou a recorrer, com uma réstia de esperança, ao director da Base de
Transportes da Sonangol e antigo dirigente do clube, o senhor Marinho, a quem
pediu, sem êxito, que o empregasse naquela empresa petrolífera, patrocinadora
oficial do clube.
Com uma vida atribulada,
Laika morre aos 36 anos. A caminho de casa, depois de sair do serviço, teve um
ataque justamente no campo onde em criançajogou várias vezes. Junto à Tourada,
no bairro da Calemba.
O antigo jogador do Petro
de Luanda pesava, nos últimos tempos, somente 50 quilos. A sua morte não fez
“manchete” nos órgãos de informação estatizados que se remeteram a um silêncio
“tumular”.
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