quarta-feira, 18 de maio de 2016

LAIKA MORRE ABANDONADO



ATÉ PELO SEU ANTIGO CLUBE
Laika morre abandonado
 (texto publicado no dia 27 de Abril de
2002 no semanário "O Independente")

Ainda eu era um "canuco" quando o via jogar no pelado do Kassequel do Buraco. Vindo da Calemba, onde morava, a sua habitual presença atraia "multidões", que acorriam ao campo para assistir à sua brilhante exibição. Desfilava classe, por onde quer que passasse, o que o levou a entrar para o emblemático Petro Atlético de Luanda. Tinha então 13 anos. Corria o ano de 1978. Lembro-me que, quando se deslocasse ao Kassequel do Buraco, com o seu clube de bairro, alguns adversários perguntavam-se: "Ele veio?" Se viesse, não jogavam. Tinham medo das suas fintas. Era o seu forte, para além do grande poder de velocidade, daí a razão do nome por que era chamado. Em 1984, uma lesão obrigou-o a abandonar prematuramente o futebol, caindo em desgraça atrás de desgraça, sem o apoio do seu clube do coração. Por ironia do destino, morreu estatelado no chão, onde outrora foi o campo em que deu os primeiros toques de bola. Estamos a falar de Laika que, maqueiro de profissão, no Hospital Américo Boavida, veio a morrer subitamente no dia 15 deste mês quando regressava a casa, depois de mais um dia de trabalho. De família carenciada, Laika, de nome oficial Jerónimo António da Costa, só foi enterrado quatro dias depois, numa sexta-feira, graças ao apoio de antigos colegas, entre os quais figuram Makuéria, Porto, Pedro Ferro e Abel Campos e amigos do bairro. Do seu antigo clube, nada se viu. Ainda em vida, Laika recorreu, vezes sem conta, a dirigentes do Petro Atlético de Luanda, para que o empregassem na Sonangol, mas as suas súplicas não foram suficientes para convencer tais responsáveis a colocá-lo "pelo menos como maqueiro, na Clínica da Sonangol". Segredou-me no dia que me contou a sua vida, agora aqui, no "O Independente", esmiuçada em sua homenagem.

Nhuca Júnior

Entrou para o Petro de Luanda em 1978 por intermédio de alguns amigos, entre os quais Pedro Ferro, que o convenceram que teria um brilhante futuro como futebolista devido às suas excelentes qualidades técnicas.
Aos 17 anos, integrou a primeira selecção angolana de júnior que defrontou a sua similar dos Camarões. Nesse escalão, Laika jogava a extremo-direito, mas em sénior foi adaptado, com facilidade, a médio-ala.
Aos 19 anos, em 1984, o destino foi cruel para Laika. Por altura da preparação para a Taça dos Clubes Campeões, em que o seu clube, comandado pelo brasileiro António Clemente, defrontaria o Negu Ranger da Nigéria, uma lesão afastou-o para sempre do mundo do futebol.
“Depois dos treinos tive dor de cabeça e, quando cheguei à casa, fiquei com o braço e o pé esquerdo paralisados”, contou-me. No dia seguinte, deslocou-se ao Hospital Américo Boavida, onde o médico que o atendeu garantiu que se tratava de “uma coisa passageira”. O médico errou no prognóstico. O jogador ficou na cama, paralisado, durante seis meses, não conseguindo sequer levantar-se. O clube foi informado através de um tio, mas nenhum dirigente apareceu em sua casa para, pelo menos, constatar “in loco” o estado de saúde de Laika, que, segundo ele, recebeu apenas a visita dos colegas Nejó e Porto.
“Nem o prémio de campeão recebi até hoje”, lamentou o jogador, que chegou a ser duas vezes campeão pelo Petro Atlético de Luanda, nas edições do campeonato nacional de 1981/82 e 1983/84. Recorreu a tratamentos tradicionais e foi graças a essa via que começou a ter pequenos sinais de recuperação.
Mas essa recuperação apenas teve êxito em relação ao braço. O pé ficou definitivamente atrofiado. Laika, que passou então a mancar, disse ter recebido promessas de vir a ser tratado no exterior, promessas essas vindas da boca do engenheiro Mangueira, que terá indigitado o já falecido Telmo Guerreiro para resolver toda a tramitação burocrática que visasse a sua ida ao estrangeiro em tratamento médico. Debalde!      
“Em 1985, o professor António Clemente voltou ao país e, quando quis saber do meu estado de saúde, mandou-me chamar e pediu aos dirigentes do clube para que me tratassem, o mais urgente possível, porque ainda tinha idade e a possibilidade de um dia voltar a jogar”. “Tinha 19 anos”, disse com os olhos embargados. Não conseguiu conter as lágrimas. Depois de uma pausa, a conversa prosseguiu com Laika a dizer que, abandonado pelo Petro, o Ferroviário da Huíla, “mesmo lesionado, interessou-se por mim”.
“Levou-me à Huíla, onde fui assistido pelo médico deste clube e pelo Hospital Central”, acentuou o jogador para depois explicar que o médico disse-lhe que o seu caso estava ligado ao sistema nervoso central.
O Petro de Luanda, disse Laika, apenas lhe deu a possibilidade de fazer massagens no ginásio do clube, o que aconteceu apenas durante dois meses. Apesar da prematura carreira que teve, Laika guardava boas recordações, uma das quais se refere ao jogo diante do 1º de Agosto, no Estádio dos Coqueiros, à noite, onde fintou vários adversários, incluindo o guarda-redes, o Ângelo, para marcar um belíssimo e memorável golo.
“Contra o Real Olimpik de Bangui, jogo realizado na República Centro Africana, fiz um gesto com o dedo, a defesa abriu e marquei o golo”, recorda Laika para de seguida dizer: “marquei muitos golos – são incontáveis – e dei a marcar outros tantos”.
“Por exemplo, dei a marcar muitos golos ao Jesus. Ele não pode desmentir”. Quando assistia a jogos de futebol, Laika tinha sempre um sentimento de nostalgia. “Vejo coisas que deveria fazer e até melhor”, dizia o jogador, que deixou órfãs duas meninas, uma de 15 anos e outra de 14.
Desempregado, em 1996 é admitido no Hospital Américo Boavida, onde, inicialmente a trabalhar como porteiro, passou depois a desempenhar a tarefa de maqueiro do Banco de Urgência daquela unidade hospitalar pública.
O emprego consegui-o graças aos colegas Tony Cerezo e Nejó. Antes de embarcar para aquele hospital, chegou a recorrer, com uma réstia de esperança, ao director da Base de Transportes da Sonangol e antigo dirigente do clube, o senhor Marinho, a quem pediu, sem êxito, que o empregasse naquela empresa petrolífera, patrocinadora oficial do clube.
Com uma vida atribulada, Laika morre aos 36 anos. A caminho de casa, depois de sair do serviço, teve um ataque justamente no campo onde em criançajogou várias vezes. Junto à Tourada, no bairro da Calemba.
O antigo jogador do Petro de Luanda pesava, nos últimos tempos, somente 50 quilos. A sua morte não fez “manchete” nos órgãos de informação estatizados que se remeteram a um silêncio “tumular”.

Sem comentários:

Enviar um comentário